sábado, 16 de novembro de 2013

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entrei no bar com o intuito de fumar um café crème ( eu não fumo) e tomar uma dose de black label. Achei o lugar honesto e discreto. Tocava o que é de clichê em bar de tios/tias. Jazz. Porque depois de uma certa idade, se nada mais der certo, o melhor é tocar jazz. Pelo menos não é bossa nova. 
A não ser por Joe Pesci, eu gosto bastante de jazz.
Estava com Saia nova e curta. Preta. Porque preto salva. Camiseta velha. Preta. Meia calça escura e botas de guerra. Parecia bonita. Arrematei com um batom coral pra quebrar o darkside. Caprichei no perfume proteção-macumba. 

Não queria ser vista. Quase nunca quero. Mas, se fosse, ao menos estaria ok.
Entrei sem olhar para os lados. Fixei nas estantes da parede tentando desvendar o preço das coisas. 
Sentei no banco alto ao lado do balcão. Logo fui atendida por um garçom sem idade definida. Cara inchada em decorrência da vida desregrada que a profissão exige. Educação sem exageros. Meu copo veio cheio de gelo e eu disse " Não, meu chapa. Eu quero cowboy". Porque eu adoro dizer que "quero cowboy", mesmo quando não quero cowboy. Daí ele obviamente me olhou com desdém e foi jogando os cubos na pia. A garrafa brilhava e o rótulo acolhia meus desejos de afogamento.
Ele despejou com parcimônia o líqüido precioso e só "chorou" porque eu dei uma fuzilada do tipo" se você não "chorar",  não tem 10% ". 
A vida é boa com uma dose e apenas UM cigarro. Até porque se eu fumar 2, minha bronquite alérgica me fulmina sem piedade. Então, perguntei se podia fumar e o cara fez que sim com o polegar  ao mesmo tempo em que limpava o tampo do balcão. 
Eu dei um trago desesperado e acalmei os brônquios com um pouco de morte.
Quando percebi que tinha sentado próximo um boy que parecia adulto  (coisa rara hj em dia. Se não usa boné de adolescente, usa touca e camiseta flúor. Ou bermuda com all star e tatuagens desbotadas com motivos japoneses).
Ele me olhou de lado como quem procurasse outra pessoa. (Ainda existe gente que acha que uma mulher não pode sentar sozinha em lugar nenhum. )
Eu me voltei para o fundo do copo na esperança de encontrar a minúscula chance de redenção. Foi quando ele disse "concentrada, hein?!"  e eu respondi com um sorriso tímido de quem não tem muito o que fazer com uma pergunta retórica. 
Eu nunca entendo porque alguém, que, supostamente quer contato, faz perguntas retóricas.
Ele prosseguiu com um sorriso leve e me disse: "Whisky é pra quem pode" no que eu respondi: "Whisky é uma questão de dignidade". Ele riu alto e pediu pra eu explicar. Daí eu disse: acho sinceramente que depois de uma certa idade, se você não puder pagar um whisky pra si mesmo, tem alguma coisa errada, sabe? É uma questão de dignidade. Mas, é um discurso burguês filho da pauta, também. E cínico. Não me orgulho. Em próximas ocasiões posso sonhar com caninha de 1,99  e isso passar a ser o meu auge. Ou ao menos ter um copo de água limpa pra beber. A vida dá tantas voltas..." . Ele respondeu: " você é bonita"  e eu voltei a ficar tímida. Daí ele soltou: " posso te pagar um whisky?!" e eu respondi: "pode". Terminei o último gole do meu copo e aceitei de bom grado a próxima dose. 
Black Label tem um sabor solene. É uma bebida que me diz que a vida é dura, cara, mas, pode ser boa. Talvez...Eu tomei saboreando. Vai saber quando tomarei outro.
Falamos sobre como o excesso de trabalho transforma as pessoas em zumbis. Em como é bom poder jantar chocolate quando se vive só. 
Ele me perguntou se eu tinha um vício. E eu constrangida respondi :"chá de camomila antes de dormir". Ele sorriu e disse que o dele era café.  Eu disse "café não é vício, é lei!". Brindamos ao café. E eu não sei se era a bebida fazendo efeito, mas, percebi que ele era bem charmoso. Tinha um sorriso de lado que não mostrava os dentes e franzia a bochecha quando falava. Parecia ter uns 42. Ele me contou um segredo e pediu que eu contasse um. Eu respondi que eu era feliz. Não de um jeito efusivo, desses que quer fotografar tudo pra se lembrar. Mas, de um jeito reservado.  Ele disse que isso não era segredo que se preze. E eu rebati dizendo: "cada um tem o segredo que merece". 
Sorrimos e várias vezes ficamos em silêncio sem assunto nenhum. Daí ele me perguntou se eu acreditava nas pessoas. Eu respondi com uma pergunta nada a ver. Falei sobre o peso que às vezes  damos para algumas histórias que no fundo eram porra nenhuma. Mas, não era o fim. Como dizia Frida (Maravilhosa) Kahlo :" onde não puderes amar, não te demores". 
Ele tocou de leve a minha mão direita com o dedo indicador e ficamos nos olhando cúmplices de tudo que não sabíamos um do outro.