sábado, 31 de agosto de 2013

vulnerabilidade

enquanto esperava a peça começar, inventei que era uma estátua para não ter que socializar nesses dias de misantropia. Mas, o perfume de um sabonete que eu nunca senti invadiu minhas narinas como o cheiro da carniça ao sol. De incômodo, transformou-se em pranzenteira visita. Bom saber que existem cheiros imprevisivelmente ordinários. Ao lado, um rapaz que aparentava 24 não parava de se mexer, reunindo toda a ansiedade juvenil em gestos e movimentos entrecortados. Era dele o cheiro de banho cuidadoso. Era dele a aflição de não saber o que fazer com o corpo. Olhava em  direções estilhaçadas  como quem procurava abrigo. Não encontrando, voltava aos movimentos estereotipados do início. A minha frieza do começo, deu lugar a uma compaixão estranha, dessas que dão vontade de acolher. Dessas que dão vontade de dizer: estou aqui e cuidarei de você. Eu que ando exausta pra cuidar de mim mesma. Desse ponto, imaginei a cabeça dele encontrando paz em meu pescoço. Seus dedos finos passando a repousar sobre minha mão, que delicadamente dedilhava sua palma ampla. Beijava sua fronte e dizia palavras doces do tipo: farei de tudo para que você se sinta pleno. Enfim, essa sucessão de ações clichês terminavam por acalmá-lo e deixá-lo seguro e belo... De repente, o texto da atriz interrompeu meu pensamento. Voltamos.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Whisky

o vinho, sem dúvidas é minha bebida predileta depois da água. Contudo, na minha idade, às vezes leva a um estado um pouco inconveniente e absolutamente desnecessário, próprio de Dionísio-Baco, causando euforia, êxtase, (essa alegria desmedida dos infernos) e despencando para o caos e para a tristeza profunda. A cachaça, minha segunda bebida, abre o apetite, esquentando os pulmões e trancando o coração, impedindo-o de pensar nas grandes merdas da vida. Já a cerveja, relaxa os músculos dispersando o cansaço e o desânimo, combina com sol e com nenhuma expectativa. O Whisky, a última da minha lista, é uma bebida solene. Se você pede um Whisky na minha idade, em geral será bem tratado, primeiro por conta do preço e segundo, pela escolha. O Whisky não causa! Ele arrefece a alma impedindo que se faça qualquer bobagem. Agora entendo muito quando minha vó me oferecia uma dose de Whisky. Ela me dava conselhos elegantes enquanto mexia o gelo com o dedo indicador. Não é apologia a bebidas. É bom que fique claro. Não sou de apologias. Nem mesmo um mapa de uma especialista. Trata-se apenas de um relato sobre minhas preferências e o que elas causam em mim. Só. Ademais, eu estou quase parando de beber. E o que isso me causa é muito bom. Clareza.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

fratura exposta

quando eu tinha 15 anos, um dos meus maiores sonhos era sofrer uma fratura exposta no braço direito, por questões óbvias: a escola era um saco e eu era uma adolescente sombria e egocêntrica. Felizmente, isso nunca ocorreu, mas, me fez constatar que nessa idade eu era um cemitério de ambições.
Com o tempo fui percebendo que essas fraturas vão ocorrendo metaforicamente. Percorrem o coração, o fígado, e englobam pulmões, sonhos, fetiches, dentes e por aí vai. Mas, um couro grosso vai envolvendo tudo que se parte ficando parecido com um exoesqueleto, com uma armadura meio deformada, e a gente assim,  prossegue, porque é o que deve ser feito.
Refletindo agora sobre qual seria meu maior sonho, exatamente às 21:02 do dia 14 de agosto de 2013, eu diria que é me tornar um pouco mais íntima das coisas, do meu corpo e de tudo que me cerca. Mapear com o coração cada centímetro que eu conseguir. Dizem que os orientais costumam preencher com ouro as emendas de suas valiosas porcelanas quebradas para valorizar ainda mais a história de cada uma delas. Assim seja também com tudo que se parte e for passível de conserto.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

horizonte embaçado

300 janelas fechadas com cadeados. 300 janelas (uma dentro da outra). 300 chaves. 300 paisagens. 300 possibilidades. No entanto, janelas não são portas

domingo, 4 de agosto de 2013

Band-Aid

você me lambe devagar,  como os animais lambem  suas feridas. Mas, o que tenho são só cicatrizes de dores que eu mesma já curei. No entanto, sua língua é bem-vinda, pontiaguda, úmida e aquecida. Faço gosto que ela volte quando der.