sábado, 21 de março de 2015

"recado" entendido

enquanto palavras de "deus" são proferidas ao longe na igreja em frente a minha sacada, eu bebo todos os restos olhando para a cruz vermelha de neon. Parece um axé de Jesus. É bem ruim. Jesus é bom por ouvir isso e não jogar raios fulminantes. Zeus jogaria.
Me declarei pra ti. Eu disse: depois de 5 anos estou apaixonada.
Teu silêncio me fez estar aqui. Ouvindo e vendo embaçado. Fumando e adormecendo o corpo. Eu quero vomitar cada gota de você misturada com o resto do meu almoço que nem estava tão bom

domingo, 8 de março de 2015

M.M

se eu dissesse que não sinto falta, mais uma mentira seria. O que me afastou foi seu estranho hábito de achar que eu estava à sua disposição como uma fonte inesgotável de carinho. Mas, sem reciprocidade, quase tudo se extingue.Tem também o seu olhar que parecia utilizar uma lupa de aumento para aquilo que eu não sou. Principalmente: jovem. E, me perdoe, eu não quero ser jovem. Eu já fui e isso realmente não me interessa. E, a propósito: fui uma jovem profundamente infeliz a maior parte do tempo.
Quero ser eu em uma versão que cumpre tudo aquilo que se promete fazer para si mesma.
Mas, voltando a nostalgia: posso dizer que aquilo que me dá mais saudade são as suas tatuagens dançando no meu corpo. Eu encostava a mão onde era rabiscado e sentia sua pele mais lisa e tépida. E tinha também aquele aroma de aconchego...
As tatuagens agitavam-se doidas saindo do seu corpo e entrando no meu como demônios me possuindo o coração. Suas mãos que tanto fazem, nem eram belas como prezo, mas, eram as mãos que eu queria até hoje entrelaçadas na minha (despretensiosamente) durante qualquer passeio.
 Mas, você quer todas e me trata tão mal...eu não te culpo e nem ataco o seu poliamor. Sabemos que mereço ser muito bem tratada e no mais: dentro de mim tem tantas que você podia amar...
Desejo, de verdade, que outras honrem seu corpo como um dia eu honrei.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

se eu fosse escritora


- talvez eu tivesse que seguir protocolos e assuntos específicos que o métier exige e que me deixariam mais atrativa e cool; 
- ia  ter que passar pela angústia de ter que ser lida e apreciada; 
- eu teria que enfrentar os estetas, os críticos e os adestradores de palavras que realmente "sabem escrever"; 
- não ia poder usufruir o "saber e o sabor" das palavras e nem inventar vocábulos mequetrefes que causassem constrangimento ao próprio Guimarães Rosa; 
- jamais poderia me equivocar indiscriminadamente; 
 E é por isso que eu escrevo o meu diarínho, cheio de erros de concordância. Porque em mim, quase nada concorda. E porque não terei filhos que se lembrem de meus feitos "heróicos".
Sou uma reles observadora umbiguista. Aceite ou não. 

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

menarca

estava brincando na rua e já vinha sentindo muita dor no ventre. Fatídicos 12 anos. O sangue veio no xixi entre uma parada e outra. A tinta espalhou-se feito aquarela no vaso e com ela, uma dor lancinante. Pareciam agulhas abrindo sistematicamente uma ferida no meu útero. Uma ferida que nunca mais ia sarar.
Minha mãe me obrigou a usar uma saia que eu odiava. Era branca com rosas minúsculas em tom rosa bebê e sobre a calcinha, um absorvente que mais parecia um tijolo macio.
Meu modo de andar denunciava o novo estado: uma-garota-mutante-mulher-sofredora.
Seria aquela sensação dolorosa e desfavorável, a transformação em mulher que eu tanto tinha almejado? Era só nisso que eu pensava. Além de ter que depilar os pelos com cera quente feito a lava dos infernos profundos.
A dor não parava com nenhum remédio. Eu só queria morrer.
Ficou cravado: teria que sentir aquilo todos os meses da minha vida a partir daquele instante.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

armadilha

no meio da faxina congelei admirando a teia. Não pude desfazê-la de pronto. Tornou-se mais urgente admirá-la: petrificada. Olhando cuidadosamente pude verificar um inseto minúsculo. Era possível imaginar sua luta durante horas tentando desprender-se. Seu corpo movimentando-se delicadamente e morrendo no balanço do material flexível...
É como me sinto: um minúsculo animal preso em uma teia invisível. A diferença é que eu também sou a aranha.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Filtro miocardinal

da plateia eu te vejo tentando espalhar a base com fator de proteção 60. Dá pra ver as lágrimas empoçadas embaixo dos olhos e a tentativa de embargar a saída. É em vão. Deixando ir existem mais chances de que tudo isso parado não apodreça dentro de ti. Deixando ir talvez você possa sentir o que os iluminados sentem. Deixando ir talvez passe essa azia. O coração quer cometer novos erros. Deixa ele seguir em frente. Só isso.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

adeus menina

quando eu tinha doze, minha mãe me alertava: "menina, se economize, pra não enjoarem da sua cara". Daí eu acreditei. Levei como mantra. Virou uma crença. Informação grudada no osso. Quando eu cresci, tomei banho com bucha de aço. Raspei com faca de pão. Rasurei com unhas afiadas. Nada deu jeito. Nem auto-hipnotize. Resolvi ficar em silêncio. Eu sei que meu corpo vai falar e arrumar um jeito de esquecer esse engôdo. E daí, quem sabe, essa impressão estranha de que tem alguém me estrangulando passe. Daí, quem sabe esse saco de pedras que eu carrego fure e todas elas saiam rolando pra nunca mais.