segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Ectopia Cordis

no campo tudo ganha  clareza e simplicidade. O dia é dia. A noite é noite. Não há feriado. Não há férias. O tempo transcorre límpido e "correto" seguindo o Sol como medida pra tudo. A Lua é o descanso merecido após a labuta, que, em verdade, não é vista como tal. Parece, ao meu ver, vista como algo absolutamente fluido. Arar, plantar, cuidar e colher. Comer o fruto do que se planta.
Não tem champanhe que pague o luxo de comer fruto no pé. Meu pai pegou as siriguelas mais doces no topo. Caquis chocolate, bananas e mangas. Todas que ele plantou. E isso é como rememorar o paleolítico da minha vida. Eu fazia esse mesmo ritual quando pequena. O pai do meu pai, arrancava as pitangas mais rubras , as quais, eu só dividia com os  passarinhos, pois, as melhores ficam sempre no alto. Talvez porque guardem  em si os primeiros raios solares da manhã. Eu acho.
Assim sendo, me empanturrei de tudo que é meio caipira, meio antigo e meio tradicional. Desde mel orgânico, queijo curado, até ovos vermelhos. Resultado:   bochechas rosadas e peitos gigantes.
Para além do meu estômago e todo o afeto atrelado a comer e a preparar a comida, tem os bichos. As vacas soltas andando no chão lamacento da rua. As maritacas, barulhentas às 6 da manhã, os sapos gigantes. As aranhas assassinas que minha mãe cuida como se fossem da família... E agora, além dos gatos sobreviventes, tem o Vicente, filhote cão gaiato, que foi abandonado na frente da casa de Mama, a despeito das 3 câmeras de segurança. (Sim. O campo na pós-modernidade também tem câmeras, mas, até onde eu sei, ainda não tornou-se totalmente líquido e a mercê das leis de mercado. O campo ainda é o campo. Só não sei até quando...).
Eu batizei o Vicente e depois descobri que o significado do nome vem do latim e significa ''aquele que vence". Minha intuição aflorada acertou em cheio: quando ele chegou,  não emitia sons, não tinha pelos e sua pata traseira estava quebrada. Ele era a representação extrema do abandono e da maldade a qual o ser humano às vezes é capaz de se render. Não se movia e exalava um cheiro podre. Uma gosma transparente fazia parte do que tinha sobrado de pele. Era como se a morte iminente lhe mordesse os calcanhares.
Pois bem, o cachorro mais legal do planeta, ressuscitou como quem nem lembra do passado, aprendendo tudo de errado com Gaia, a cachorra mais sem limite do Universo. Parece feliz. E ficou tão belo que eu me apaixonei...
Minha mãe tem mãos de cura. Mas, eu fico pensando...quem cura e cuida dela?! Ela é tão arisca e selvagem que o dia em que eu fui lavar seus cabelos ela parecia um gato querendo sumir para um recanto distante. É a criatura mais bondosa, honesta e dura que eu conheço. Ela me faz querer dar-lhe colo e amor sem fim. Ela me faz querer rasgar o peito e deixar o coração todo pra fora, pegando vento forte, chuva e luz. Ela me faz querer cuidar de alguém.

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