cartografei meu corpo com lupa e desenhei um mapa pra não perder detalhes... E enfim, me aproximar do que eu sempre fugi: o esqueleto, as carnes, a pele, a sombra.
Fotografei cicatrizes, hematomas e a textura das camadas mais superficiais. Concebi defeitos e observei as tatuagens que a própria vida se encarregou de construir.
Percebi a imagem que não corresponde ao que desejam de mim e me permiti não ser estandarte de beleza padrão, ou qualquer outra bobagem parecida. Prefiro não me confundir.
Quero olhar no espelho e ver refletidas as veias, o coração pulsante, feito lagartixa albina: transparente figura-fundo. Digna. Inteira. Única.
sexta-feira, 30 de maio de 2014
sexta-feira, 9 de maio de 2014
Morto não paga passagem
10:32 do dia 6 de maio desse ano. Asa sul na altura da 16, espero o baú pra rodô. Olho o céu. Respiro fundo. Um primeiro baú para. Não é o meu. Um homem forte, jovem, baixo, belo e negro, usa calça e camisetas pretas. No pé meias brancas gastas e sujas. Ele se joga por trás do ônibus. Intenciona não pagar. O motorista o expulsa. Ele é humilhado. Repete a cena com mais dois ônibus sem sucesso. Conversamos:
Eu- oi, toma esse dinheiro! Entre pela frente, por favor.
Ele - não. Obrigado, moça. Eu tenho dinheiro. Além do mais, morto não paga passagem.
Eu- como assim?
Ele- eu não quero gastar com o baú.
Eu- porque?
Ele- porque vou gastar com pedra...crack, sabe?
Eu- entendi...
Ele- se eu pegar seu dinheiro vou comprar mais pedra... Eu tô morto, moça. Morto não paga passagem.
Eu - obrigada pela honestidade.
Ele- de nada. Só não achei certo te enganar.
Eu- (faço a pergunta clichê com muito constrangimento) já pediu ajuda?!
Ele - acabei de sair de uma clínica...saí ontem doido pra fumar pedra...
Eu- puxa...que triste...
Ele- (com o olhar longe) muito triste.... Triste demais.
Ele continua sua jornada inglória. Sigo meu caminho pra asa norte.
Triste.
Eu- oi, toma esse dinheiro! Entre pela frente, por favor.
Ele - não. Obrigado, moça. Eu tenho dinheiro. Além do mais, morto não paga passagem.
Eu- como assim?
Ele- eu não quero gastar com o baú.
Eu- porque?
Ele- porque vou gastar com pedra...crack, sabe?
Eu- entendi...
Ele- se eu pegar seu dinheiro vou comprar mais pedra... Eu tô morto, moça. Morto não paga passagem.
Eu - obrigada pela honestidade.
Ele- de nada. Só não achei certo te enganar.
Eu- (faço a pergunta clichê com muito constrangimento) já pediu ajuda?!
Ele - acabei de sair de uma clínica...saí ontem doido pra fumar pedra...
Eu- puxa...que triste...
Ele- (com o olhar longe) muito triste.... Triste demais.
Ele continua sua jornada inglória. Sigo meu caminho pra asa norte.
Triste.
segunda-feira, 5 de maio de 2014
carne crua
discursos consistentes não me interessam faz tempo, pois me dão a ligeira impressão de que em sua maioria, são baseados em excelente bibliografia (além de uma boa alimentação e conta bancária) e pouca referência prática conectada com as dificuldades diárias de qualquer cidadão/ã.
Um dos meus maiores medos na vida é me distanciar da "realidade" crua. Dessa do estudante que acorda 4 da manhã para frequentar uma escola menos pior; do rapaz que almoça bananas porque é mais barato; ou da garota de 15 anos que fugiu de casa para não ser mais molestada.
A vida é boa no meu quadrado, mas, isso não pode me fazer esquecer que sou também o homem que dorme ao relento e conversa sozinho envolto em seus trapos fétidos. Esse homem amparado apenas pelos braços do frio mortal do outono que eu tanto amo...
Os buracos que eu tropeço todos os dias nessas calçadas quase inexistentes, são como chacoalhadas na alma, essa, que as vezes dorme em seu próprio umbigo. Não é o budismo, o taoísmo ou a meditação transcendental que me lembram que todos/as somos um/a e sim os alagamentos na rua e os banhos de leptospirose que não perdoam ninguém.
Essa vontade de nunca perder de vista o avesso das coisas reverbera para todas as áreas da minha vida. Assim sendo, um lado meu quer escorregar as mãos no amor e escavar com as unhas até chegar nas memórias mais sombrias, mais brutas e mais claras. Esse mesmo lado quer apenas o ponto sensível de tudo.
Um dos meus maiores medos na vida é me distanciar da "realidade" crua. Dessa do estudante que acorda 4 da manhã para frequentar uma escola menos pior; do rapaz que almoça bananas porque é mais barato; ou da garota de 15 anos que fugiu de casa para não ser mais molestada.
A vida é boa no meu quadrado, mas, isso não pode me fazer esquecer que sou também o homem que dorme ao relento e conversa sozinho envolto em seus trapos fétidos. Esse homem amparado apenas pelos braços do frio mortal do outono que eu tanto amo...
Os buracos que eu tropeço todos os dias nessas calçadas quase inexistentes, são como chacoalhadas na alma, essa, que as vezes dorme em seu próprio umbigo. Não é o budismo, o taoísmo ou a meditação transcendental que me lembram que todos/as somos um/a e sim os alagamentos na rua e os banhos de leptospirose que não perdoam ninguém.
Essa vontade de nunca perder de vista o avesso das coisas reverbera para todas as áreas da minha vida. Assim sendo, um lado meu quer escorregar as mãos no amor e escavar com as unhas até chegar nas memórias mais sombrias, mais brutas e mais claras. Esse mesmo lado quer apenas o ponto sensível de tudo.
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